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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

MEADAS

(Soneto em decassílabo heróico)


Serás sempre meada, inteira ou não,
Dum fio de vida em breve desfiar
E quer possas, quer não, terás de ousar
Cumprir-te numa tal contradição...

Hoje, amanhã, depois... continuar!
Que o Tempo, sem a tua permissão,
Sem pedir-te licença pr`avançar,
Passou-te à frente e nem pediu perdão...

Mas, venha lá quem venha, a vida é tua!
Se a alma não protesta, o corpo sua
E bem mais sofrerá se não te ergueres,

Se não brandires ao vento, em cada rua,
De braço levantado, a voz que estua
No punho das palavras que trouxeres!



Maria João Brito de Sousa – 16.01.2012 – 02.20h


sábado, 19 de janeiro de 2013

SONETO LUNAR


(Em decassílabo heróico)

Da natureza emerjo e sou quem sou
Consciente de aqui estar, mas tão serena
Que, ao espelhar-me em luares de lua plena,
Aguardo receber quanto lhes dou

E moldo cada raio que brilhou
Sem me sentir culpada, ingrata, obscena,
Por espinho, dissabor ou qualquer pena,
Que ressurja na flor que dele brotou…

Então, repasso o disco semi-gasto,
Das pétalas do mundo em que me basto
E hoje serei lunar porque me apraz

Ter um corpo distante, inerte e casto,
Do qual, sem dar por isso, só me afasto
Se me acontece querer sem ser capaz…



Maria João Brito de Sousa – 19.01.2013 – 19.43h

IMAGEM - L`IMPORTANT C`EST LA ROSE - Maria João Brito de Sousa, 1999

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O TEMPO DAS PALAVRAS


UMA PAPOILA NA SEARA





O tempo é das palavras que, nas asas,
Trazem o pó da terra, o pão, a flor…
Das palavras-operários que erguem casas
E, à noite, já cansadas, são suor,

Que vêm do silêncio de águas rasas
De um tempo amordaçado pela dor,
Que arrancaram, de vez, suas mordaças
E se lançam num voo bem maior

O tempo é de mudança em maré alta
Da palavra que agora nos não falta,
Da força que nos trouxe acreditar,

Da espiga, já madura, a dar seu fruto,
Por fim, da liberdade e do produto
Do que a nossa vontade irá moldar


Maria João Brito de Sousa – 03.08.2011 – 15.55h

Soneto prefácio dedicado ao terceiro livro da poetisa alentejana Idalina Pata, O TEMPO DAS PALAVRAS

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

SONETO EM BREVE MONÓLOGO INTERIOR




(Em decassílabo heróico)


Renasce-me a questão, tal qual a sentes;
- Como arrancar o ceptro a um poder
Que assim vai fomentando, sem tremer,
Tais formas de injustiça entre inocentes?

Nas marcas da passagem de serpentes
Às quais se impõe matar pr`a não morrer
Se explica ou se desvenda este “não ser”
Pior do que o pior que em ti consentes…

Se, pouco ou nada tendo, ainda escrevo,
É por não ter esquecido o quanto devo
E nisso me encontrar enquanto o pago

Mas, quando nauseada, aqui me atrevo
À poética da flor rasando o trevo
Que, em quase-voo, emula um mero afago…


Maria João Brito de Sousa – 14.01.2012- 21.29h

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

APELO À MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DO CUPIDO

(Em decassílabo heróico)

Não te deixes levar – nunca te iludas! –
Pela promessa vã de um sonho vago,
Por pérfida carícia em breve afago
Na amorfa mansidão das queixas mudas…

Que as setas que lançares sejam agudas,
Que zunam, que penetrem, causem estrago
E possam, tal e qual como as que trago,
Furar sem desdenhar de entre ajudas…

Resguarda-te dos males… quando os enfrentas,
Não quando foges deles, nem dos que inventas,
Que aqui há males de sobra… e sobram mil!

Que das setas que lanças, quando o tentas,
Brotem, mais uma vez, justas, sedentas,
Mil vibrantes razões pr`amores... de Abril!




Maria João Brito de Sousa – 10.01.2012 – 17.05h



Imagem retirada da net, via Google

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

CEDO OU TARDE...


Tarde ou cedo
a noite irá render-se
e o poema erguer-se-á, lúcido,
sobre a raiz das coisas indomadas…

não mais a ousadia burguesa
o insultará perguntando-lhe se se tem “entretido”
no crochet das palavrinhas rebuscadas,
no bric-à-brac das rimas-de-fazer-passar-o-tempo,
na minudência das noveletas de pequeno ecrã,
no suborno adocicado dos adornos doirados
ou das essências-de-atrair-amigo-fácil…

então, arreganhando os dentes,
ele que suou, ele que se multiplicou
em genuínos gestos de alegria, espanto e dor,
ele que ousou decantar, letra a letra,
cada molécula da lucidez
que compõe o soluto do sonho,
ele que sondou e minuciosamente desbastou,
todo e cada ramo da árvore do real
e, quantas vezes, exausto, quase exangue,
soube, ainda assim, recusar o fruto aparente e fácil,
ele que, sem sombra de hesitação,
desafiou, a cada verso,
a todo-poderosa banalidade
munido, tão só, duma alma cheia de barrigas vazias


levantar-se-á e rugirá
reclamando, não mais, nem menos,
do que o seu merecido direito à dignidade…



Maria João Brito de Sousa – 09.01.2012 – 20.28h


IMAGEM - "O Burguês e a Menina", Júlio*
*Nome artístico do pintor Júlio dos Reis Pereira, irmão de José Régio cujo pseudónimo literário era Saúl Dias.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

INICIAÇÃO À PINTURA

(Em decassílabo quase heróico)



“Pinte-se o céu da cor que te aprouver,
Faça-se luz no traço em movimento,
Cozinhe-se outro mundo, a fogo lento,
E engendre, o coração, quanto puder!

Reinvente, cada homem e mulher,
A génese adequada a cada intento
Roubando a tempestade ao próprio vento
E a centelha de cor que se acender!

Depois… é uma dança, um medir forças
Dos braços que nos correm como corças
Sobre a nudez da tela ou papelão…

E não se pára enquanto o fim não chega!”
Relembro enquanto a força se me nega
E a cor se me desfaz num turbilhão…


Maria João Brito de Sousa – 03.12.2012 – 14.46h


Soneto oferecido ao Rogério V Pereira


Imagem - "By the Sea", Paul Gauguin

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

GATO DE TELHADO

  (Soneto em verso eneassilábico)

O Sol brilha em teus olhos doirados
Se, incontido, um rosnido acontece
Na conquista de urbanos telhados
Onde, à noite, o teu corpo adormece

De veludo, em teu dorso eriçados,
Doseando a tensão que o estremece,
Estão milhares de pequenos soldados
Preparando o que em garras se tece…

Não há fome nem frio, não há sede
Que desarme essas armas brandidas
Na defesa de um espaço que é teu

Mas se o estranho invasor to concede
E desiste das telhas perdidas…
Reconquistas, no mundo, o teu céu!




Maria João Brito de Sousa – 30.12.2012 – 18.09


Nota - Ligeiramente reformulado, a 02.01.2012 depois da publicação do original inédito no meu mural do Facebook