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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O OUTRO LADO DO POEMA


Foi do outro lado do poema

que te falei do tapete puído das metáforas

e das mãos crispadas sobre o segredo das horas

estava lá tudo isso

e ainda o que nem eu poderia decifrar.

foste tu quem o não soube ver…



resmungas?

que culpa tenho eu se a inércia te prendeu

aos floreados da capa de papel de seda,

à estampa introdutória,

à tampa do baú dos sustos insuspeitos?

que culpa tenho

se por aqui ficaste embevecido, cego, enfeitiçado?



como se a magia da forma

desistisse ali mesmo,

onde termina a aparência do poema

e onde se determina que o poema é aparência!



os poemas, incauto,

redefinem os corpos a cada por do sol

e saúdam o luar dispersos em mil faces,

mil arestas, mil vértices como punhais

que às vezes arredondam

para não ferir a lua

pois só a ela pouparão o impacto perfurante

das verdades mais cruas e vorazes



isso deverias sabê-lo tu,

não eu que nada conheço da geometria do desejo

para além da elevação do sonho

ao cubo de si mesmo

e penso vir a morrer de uma anunciada indigestão

de puríssima ignorância



mas teria sido exactamente aí,

na face que te recusaste a ler

e das profundezas que não soubeste adivinhar,

que ele te teria falado até que não pudesses suportá-lo

e o reduzisses à forma inicial

caso ele se apiedasse da tua comoção



teria sido aí

que ele te mostraria

a inevitabilidade das coisas transmutadas

pelos olhos do leitor

até ao infinitamente absurdo

que é e será sempre

a causa primeira de todos os impensáveis gestos de um poema



agora,

agora sei lá quantas luas se passaram,

quantas arestas se multiplicaram,

quantos vértices se não arredondaram

e quantos olhos, que não teus,

o espalharam por aí, em estilhaços,

na órbita irregular de todos os acasos



e tu, incauto,

ainda não compreendeste

que um poema é um poço sem fundo,

um abismo aberto sob a vertigem dos sentidos,

uma montanha invertida por escalar

e uma faca apontada ao coração do conformismo?





Maria João Brito de Sousa – 15.09.2011 – 04.42h

4 comentários:

Ricardo Miñana disse...

Para mi un poema es un conjunto de versos, una obra en prosa, puede ser un poema sinfónico, solidario,
de amor, sensual...
pero un cuchillo apuntando?
es la primera vez que lo leo.
saludos.

Maria João Brito de Sousa disse...

Ola, Ricardo! Tengo más de mil poemas... puede qué los otros no lo sean pero este si, es "um cucillo apuntando... al corazon del conformismo", claro...
Gracias!

A.S. disse...

Eis um belo poema!

O poema tem que ser lido nas suas duas faces. Quem apenas ler uma face do poema, nunca saberá a estrofe de conclusão!...


Beijos,
AL

Maria João Brito de Sousa disse...

Obrigada pelas palavras, A.S. :)
Abraço grande!