VISLUMBRES


View My Stats

sexta-feira, 17 de junho de 2011

POR MAIS QUE...







Por mais que o sol se ponha, devagar,

Por mais que a estrela-d’alva me sorria,

Por mais que a lua venha iluminar

Aquilo que sobrou de mais um dia,



Por mais noite que sobre e o inundar

Da conturbada luz que me alumia

Me inspire ou mesmo tente interpelar…

Por mais que isso aconteça, eu quereria



A mesma rapidez do dedilhar

Que a mão, descontrolada, me assumia

E aquele embriagante não parar,



Para nem duvidar do que sentia,

Na galvânica pressa de acabar

O que nem começado `inda estaria…









Maria João Brito de Sousa – 16.06.2011 – 20.04h

quarta-feira, 8 de junho de 2011

DAS TOURADAS E DAS GRANDES CONVICÇÕES - Carta aberta ao meu avô Poeta


… e depois, António,

eles benzer-se-ão e partirão gloriosos

para a mortandade

sem que os tenhamos podido desculpar

e agradecerão as palmas

com a consciência do ritual cumprido

e haverá crianças

- crianças como eu era quando,

ao vê-los, fugia do ecrã da televisão… -,

haverá crianças, António,

que também baterão palmas

e que crescerão embaladas

pela apoteótica matança,

abençoadas pelo deus a que eles se confiaram

e em que eu nunca acreditarei

porque, perdoa-me, António,

eu não posso, nem quero, acreditar

nesse mesmíssimo deus cruel e estúpido,

se ele for tão estúpido e tão cruel

que abençoe a ritualização da tortura…







Ou fomos nós que

sempre estivemos enganados?

Ou fomos nós que

errámos quando condenámos a raiz comum

de todas as descriminações

e de todas as atrocidades?

Ou éramos só nós que víamos,

nos olhos do touro,

a mesma inocência dos dos cristãos novos, no Paço,

dos dos negros, nos porões das naus,

dos dos judeus, em Auschwitz,

dos dos nossos amigos, nas masmorras da Pide?



Todos diferentes, todos animais,

António…



E eu, António,

eu que, hoje, como há cinquenta anos,

os sinto, os entendo

e, do mais fundo de mim,

os tento perdoar,

não consigo deixar de condenar

essa crua faceta de tantos



tantos dos que,

caminhando sobre duas patas,

acreditam que a dor é monopólio seu

e que a racionalidade

lhes confere o direito de SERem os únicos.






TODOS DIFERENTES, TODOS ANIMAIS!





Ao meu avô, António de Sousa, Poeta, tradutor, advogado, crítico literário e um daqueles seres vivos que sempre acreditaram na sensibilidade de todos os outros.



Maria João Brito de Sousa - 07-06-2011-11:41h


[against all odds, com honras de blog principal]




Ps – Perdoa-me se te arrasto o nome para o campo de uma batalha que prevejo desproporcional, dura e infindável. Por esta altura, tu, lá na tua Ilha de Sam Nunca e eu, ainda por cá, fisicamente desgastada, pouco mais poderemos emprestar para além disto; nome e versos… mas não fomos nós quem sempre acreditou na força das convicções e das palavras que as levam mundo afora?

quarta-feira, 1 de junho de 2011

NO DIA DA CRIANÇA - 01.06.2011


No dia da criança,
venho dizer-te bom-dia, mãe,
e olhar o teu sorriso
na memória das sardinheiras quase murchas,
mas ainda vermelhas, mãe,
nas conchas de barro onde as plantavas

Venho,
neste dia da criança,
lembrar-te, mais uma vez,
que te amo, mãe,
e agora,
que não sei se és, nem onde és,
confessar-te que sempre considerei
que olhavas demasiado a superfície das coisas,
que te esquecias de reparar
nas raizes do tempo por detrás das janelas
e nos sonhos
para além da luta pelo abraço imediato

Mas isso era eu, mãe,
eu tão pequenina como as sardinheiras,
tão abraçada às raizes do tempo,
tão estranhamente além das janelas,
esquecida,
também eu,
de não poder julgar-te
porque eras tu, afinal,
quem plantava as sardinheiras e sorria
sem suspeitar, sequer, de que viriam a murchar…

Hoje, dia da criança,
dia em que não sei se és, nem onde és,
mas não esqueço que foste,
uma lágrima, mãe,
só uma, como tu,
que tanto medo tinhas da morte
e te deixaste levar
sem teres percebido
que as sardinheiras murcham
a seguir ao abraço das raizes do tempo…
dessas que estavam por detrás das janelas
além da superfície
das coisas- tantas! –
que nunca chegaste a descobrir

E fica-me
o teu sorriso
por detrás da janela,
vermelho como as sardinheiras,
enquanto nesta lágrima,
tão única como tu,
tão eterna quanto o tempo,
hoje, como dantes, Mãe,
tento esquecer a superfície das coisas…




Maria João Brito de Sousa – 01.06.2011 – 09.29h