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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

MEMÓRIAS




Nessa noite
uma lua prenha,
rodando tão devagar
que qualquer olhar lhe atribuiria 
a imobilidade do grafismo impresso,
deixou que  uma nuvem cinzenta a tapasse

depois,
sobre o louceiro da sala,
no aquário dos sonhos  antigos,
um novo e inesperado peixe incolor
foi-lhe devolvendo a memória dos “crayons”
até que a insubmissão de uma mão imaginária
os quisesse e soubesse ressuscitar na vontade dos dedos

fazia tanto frio
na floresta das cores
onde as horas, como agulhas,
lhe apontavam as conchas vazias
de mil gestos sem esperança de fruto…

mas bastou
que esse peixe
se agitasse levemente,
que uma palavra
espelhasse a cor da nuvem,
que as invisíveis raízes
suportassem o inevitável tronco,
que o impensável cilindro
se alongasse em ramos impossíveis,
que as velhíssimas memórias
se metamorfoseassem em folhas improváveis

para que
a substância do fruto
se viesse a tornar tão real
quanto aquela absoluta urgência
de o ouvir cantar por dentro da novíssima criação 



Maria João Brito de Sousa – 02.02.2013 – 18.09h

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

SONETOS ÀS ERVAS BRAVIAS DO MATO, I


Flor de Urtiga


(Em decassílabo heróico)


À flor de uma palavra… eu renuncio!
Noutra, mais louca ainda, recomeço
A dança da palavra e pago o preço
Que me cobra o poema que anuncio



No Inverno, enfrento ainda o beijo frio
Do tanto que ousei ser, mas desconheço,
Neste palco terreno onde não peço,
Nem aceito os favores dum novo Estio



São flores, braços e garras, as palavras!
Nelas m`elevo inteira… ou me condeno
Num quase-desafio a quem souber



Ou tentar adentrar-se em minhas lavras…
[há flores assim, selvagens, com veneno,
que se escapam da mão que as quer colher…]







Maria João Brito de Sousa – 20.02.2013 – 16.32h

domingo, 17 de fevereiro de 2013

POETA, 2013

(Lembrando o poema Poeta, 1951, de António de Sousa - in "Linha de Terra", Editorial Inquérito, 1951- seguido de transcrição da parte final do texto "Esboço Impressionista do Perfil do Poeta", de Natália Correia, in "A Ilha de Sam Nunca")


Deixai-o lá, glosando ao seu destino
Os motes de quem foi, de quem não foi,
Que a ferrugem salina que o corrói
Como a todo o punhal  de gume fino

Oxida-se a si mesma e nem lhe dói
Estocada que alguém esgrima em desatino
No espólio em que se traça homem-menino
Num espanto que o desmente e que o constrói...

Deixai-o desfolhar-se à beira-pranto
Onde a mãe-lua, um dia, há-de ir buscá-lo
Pr`ó guardar em discreto e suave encanto

Não vá um deus avulso ousar tocá-lo
Jurando, a todos vós, que ele era um santo
E, depois, sem remorso, atraiçoá-lo...



Maria João Brito de Sousa -  11.02.2013 - 11, 35h


"Impressionante identidade do homem e do seu discurso poético. Um insulado pela fantasia lunar irremediavelmente praticada num coexistir que a marginaliza............ A brincar a Robinson Crusoé da Ilha Deserta onde é possível recomeçar o mundo com mãos imaculadas Assim me apareceu. Assim o li nos versos que escreveu, nas ondas que perfeitamente naufragou para adquirir a pureza de sonhar sem a grilheta dos êxitos que atam os triunfantes ao compromisso de serem esplêndidos"  N. C.


NOTA -  Soneto ligeiramente reformulado em relação à sua primeira publicação, directamente nas minhas notas do Facebook.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

AUTO RETRATO CARNAVALESCO... OU QUASE...

Magriça, olhar tranquilo, um dente em falta,
Loquaz no gesto largo e comedido
É qual gato de rua em chão perdido
Que age as mui raras vezes que s`exalta...

Porém nunca ofensivo dela salta
Insulto qu`anteceda um desmentido
Por falta de razão, por sem sentido,
"Tramar" ,à revelia, alguém "da malta"...

Assim se viu num dia em que acordou
Disposta a confessar-se e lhe faltou
Suporte digital em que o fizesse

E desta folha branca se apossou
Lavrando nela os versos que encontrou
Pr`a descrever-se em tom que lhe aprouvesse...




Maria João Brito de Sousa - 11.02.2013 - 12.21h

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A TODOS OS ARTISTAS PORTUGUESES QUE RESISTEM E SOBREVIVEM A ESTE ANO DE TODAS AS INJUSTIÇAS

(Soneto em decassílabo heróico)

Num traço, redesenho este universo
Ao meu jeito de bicho inacabado
Mas travaram-me o traço mal esboçado
Como a mentira entrava o polo inverso…

Do que me sobra, culminando em verso,
Retiro, peça a peça, este legado
Que aqui sirvo, bocado por bocado,
Na refeição comum de um tempo adverso…

Assim, do ousado rumo em que me invento,
Eu cobro, à Poesia, esse sustento
Das horas de ser carne e sangue e sonho

E mais vos não sei dar, nem tenho alento
Pr`a obra que me exija mais talento
Do que em tão estranho gesto agora ponho…


Maria João Brito de Sousa – 04.02.2013 – 19.25h

IMAGEM – Fotografia de Manuel Ribeiro de Pavia, nome artístico do artista plástico alentejano, Manuel Ribeiro, tirada por António Pedro Brito de Sousa, meu pai.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

SONETO "GOURMET"

(Em decassílabo heróico)



Salteio, em fogo vivo, o cozinhado
Do aceso perpassar deste momento
E apuro, de seguida, em fogo lento
A zanga que me vai passando ao lado…

Provo um pedaço, tenro e suculento,
Do poema acutilante e mal passado
E sinto que me falta um bom bocado
Pr`a dar-vos garantias de sustento…

Quando um outro chegar, se então souber,
Talvez possa juntar-lhe outra qualquer
Condimento, em tempero ocasional,

Ou mesmo adicionar-lhe um verso ou dois
Dos tantos que me surgem só depois
De o servir na baixela de cristal...





Maria João Brito de Sousa -29.01.2012 - 17.56h