sábado, 31 de dezembro de 2011
A DEMISSÃO DA PALAVRA
Brotaram, de repente, absurdos gritos
Do eixo da palavra atormentada
Onde os sintomas – todos - são malditos
Prenúncios de revolta estrangulada
À digestão dos ecos mais aflitos
Por excessos duma ceia inesperada,
Somaram-se, por fim, dois sonhos fritos
À privação geral… mas consolada!
A vocalização desconstruiu-se
Na absurda convergência da partida,
E pouco a pouco, a chama consumiu-se
No pavio dessa rima destruída
[a palavra, essa, ergueu-se e demitiu-se
da principal função da sua vida…]
Maria João Brito de Sousa – 25.12.2011 – 22.55h
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
ALENTEJO II
Ó terra de oiro antigo e céu sem fim
Pontilhada de verde e de castanho,
Eu quero-te sem prazo e sem tamanho
Com este querer maior que existe em mim
Terra de ervas e flores, como um jardim
Espraiando-se orgulhoso em mundo estranho,
Subitamente a tela de um rebanho
Que, ao surgir, se nos deixa ver assim
Que o teu povo magoado te acrescente
Os laços sempre férteis da semente
E possa eternizar-te no seu "cante "
Que a tua voz se eleve eternamente,
Que seja sempre livre a tua gente
E que haja em ti fartura a cada instante!
Maria João Brito de Sousa 06.12.2011 - 15.21h
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
UM POENTE DIFERENTE, À BEIRA TEJO - Cavalo desenhado a ferro e fogo
Quis falar do Mondego e, na verdade,
É da foz do meu Tejo que vos falo
E cresce cá por dentro a voz que calo
E conta das saudades sem saudade
Solta-se o sonho oblíquo à claridade
E a linha de horizonte é um cavalo
Que não sei se lá está, se imaginá-lo
É lapso de memória ou se é vontade…
Galopa o meu poente à beira Tejo
Rumo a essas lonjuras que nem vejo
Por estarem tão além do meu futuro
Sobra então, do sonhado, o claro espanto
Do cavalo-solar que aqui levanto
E rasga, a ferro e fogo, um céu já escuro!
Maria João Brito de Sousa – 01.11.2011 – 16.00h
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
A TODOS OS RESISTENTES QUE PASSARAM PELAS PRISÕES DO FASCISMO
Sobre os muros que, sem liberdade,
Te acoitaram nas lajes tão frias,
Tu escreveste a palavra VONTADE
Conquistada ao granito dos dias!
Foi a tua resposta à maldade,
À traição e às demais vilanias
De quem queria apagar a VERDADE
Desse muro em que, ousado, a escrevias!
Foram tantas palavras negadas
Que a garganta guardou da denúncia
Dos que assim te prenderam nos muros,
Quanto as dores, como pedras, caladas,
Na nobreza da tua renúncia
Semearam teus sonhos mais puros!
Maria João Brito de Sousa - 21.10.2011 - 13.48h
Imagem retirada da página criada na Wikipédia para o 25 de Abril de 1974
NOTA - SONETO DE NOVE SÍLABAS MÉTRICAS
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
UM TUMULTO A SUBIR DAS PROFUNDEZAS
Hoje, nem bem, nem mal, nem coisa alguma…
Nem o silêncio impôs a reflexão,
Nem sussurros vieram dizer não
Às minhas mãos cerradas como bruma
Dispersava-se a onda nesta espuma
Como se ao ser negada uma razão
Tudo se reduzisse à dimensão
Das batalhas perdidas, uma a uma…
Hoje… nem bem, nem mal! Ninguém diria
Que ontem saiu à rua a rebeldia
Vestida com as cores de mil certezas
Porque hoje, ao acordar, nada se ouvia…
[mas, prestando atenção, bem se sentia
um tumulto a subir das profundezas…]
Maria João Brito de Sousa - 16.10.2011
Imagem retirada da Internet, via Google
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
CIDADE SEM SENTIDO(S) - Soneto de nove sílabas métricas
Se a Cidade contasse os segredos
Das janelas fechadas dos dias
Quantos rostos e mãos não verias
Nas cortinas já gastas dos medos,
Quantos corpos em estranhos folguedos,
Quantas camas desfeitas, já frias,
Quantas mesas de pinho vazias
De uns pedaços de pão, mesmo azêdos?
Se a Cidade pudesse falar
E se erguida do chão, a gritar,
Rebentasse em protesto incontido
Levantando o seu punho no ar...
[... ah, Cidade que eu tento inventar,
nem eu própria sei dar-te um sentido!]
Maria João Brito de Sousa - 05.10.2011 - 15.03h
Imagem retirada da Internet, via Google
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
PASSATEMPO "LEMBRANDO O ALENTEJO", no Facebook
ALENTEJO
Alentejo das gentes castigadas,
Dos sobreiros reinando nas planuras
E das vozes dolentes, bem timbradas,
Que falam de alegrias, de amarguras…
Alentejo das searas espraiadas
Pl`o trigo inacabável das lonjuras,
Das casas pequeninas, bem caiadas,
Onde, à lareira, o povo queima agruras
Onde a gente se senta nos poiais
E esse pouco parece muito mais
Que o melhor que o mundo possa dar;
Vontade unida em vozes tão plurais
Faz-nos saber que não será demais
O que homens e mulheres não vão calar
Maria João Brito de Sousa – 04.09.2011 – 15.37h
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
O OUTRO LADO DO POEMA
Foi do outro lado do poema
que te falei do tapete puído das metáforas
e das mãos crispadas sobre o segredo das horas
estava lá tudo isso
e ainda o que nem eu poderia decifrar.
foste tu quem o não soube ver…
resmungas?
que culpa tenho eu se a inércia te prendeu
aos floreados da capa de papel de seda,
à estampa introdutória,
à tampa do baú dos sustos insuspeitos?
que culpa tenho
se por aqui ficaste embevecido, cego, enfeitiçado?
como se a magia da forma
desistisse ali mesmo,
onde termina a aparência do poema
e onde se determina que o poema é aparência!
os poemas, incauto,
redefinem os corpos a cada por do sol
e saúdam o luar dispersos em mil faces,
mil arestas, mil vértices como punhais
que às vezes arredondam
para não ferir a lua
pois só a ela pouparão o impacto perfurante
das verdades mais cruas e vorazes
isso deverias sabê-lo tu,
não eu que nada conheço da geometria do desejo
para além da elevação do sonho
ao cubo de si mesmo
e penso vir a morrer de uma anunciada indigestão
de puríssima ignorância
mas teria sido exactamente aí,
na face que te recusaste a ler
e das profundezas que não soubeste adivinhar,
que ele te teria falado até que não pudesses suportá-lo
e o reduzisses à forma inicial
caso ele se apiedasse da tua comoção
teria sido aí
que ele te mostraria
a inevitabilidade das coisas transmutadas
pelos olhos do leitor
até ao infinitamente absurdo
que é e será sempre
a causa primeira de todos os impensáveis gestos de um poema
agora,
agora sei lá quantas luas se passaram,
quantas arestas se multiplicaram,
quantos vértices se não arredondaram
e quantos olhos, que não teus,
o espalharam por aí, em estilhaços,
na órbita irregular de todos os acasos
e tu, incauto,
ainda não compreendeste
que um poema é um poço sem fundo,
um abismo aberto sob a vertigem dos sentidos,
uma montanha invertida por escalar
e uma faca apontada ao coração do conformismo?
Maria João Brito de Sousa – 15.09.2011 – 04.42h
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
AMIZADE
A amizade não morre facilmente!
Talvez não morra nunca e permaneça
Num canteiro qualquer escavado à pressa
Pelas mãos incansáveis da semente…
Talvez o vento passe e não lamente,
Talvez a terra inteira até a esqueça…
Mas, dela, sobrará uma promessa
Que a torna intemporal e transcendente
Se ela existiu, então não terá fim
Pois ficará latente no jardim
Onde alguém a plantou em tempos idos
E se alguém me disser: – Não é assim!
Responderei: - Não falo só por mim…
Falo por quantos não serão esquecidos!
Maria João Brito de Sousa – 13.09.2011 – 16.00h
domingo, 21 de agosto de 2011
O ELOGIO DO MÉTODO
Minh`alma é toda feita da inocência
De eternas e selvagens rebeldias
Nos pontuais arbustos de impaciência
Que florescem nas margens dos meus dias
Cultivo, sem cessar, inteligência,
Privilegio sempre as harmonias
E procuro entender – venero a ciência –
Os frutos que colher por estas vias
Quando algo me transcende, eu não desisto
E guardo pr`a mais tarde o nunca visto
No baú dos meus sonhos de menina
Mais tarde, posso, ou não, achar respostas
[se as coisas forem sendo assim dispostas
no tempo a que esta vida nos confina…]
Maria João Brito de Sousa – 21.08.2011 – 15.18h
sábado, 13 de agosto de 2011
A CADA DIA A SUA ETERNIDADE
Já mal recordo as águas, muito claras,
Das nascentes das serras percorridas
Sobre penhascos, sobre duras fragas,
Em cada passo gasto nas subidas
Já quase nem relembro as madrugadas
De todo o começar de tantas vidas,
Porque ato, a cada verso, estas amarras
Às colunas do cais de outras partidas
Mas, à noitinha, é como se tambores
Semeassem no ar todas as cores
Num reboar de notas sincopadas!
Dormindo, eu que sou “tu” e tanta gente,
Que não tenho passado, nem presente,
Adivinho o porvir destas passadas …
Maria João Brito de Sousa
terça-feira, 9 de agosto de 2011
PASSA POR LÁ UM RIO...
Passa por lá um rio feito de anseios,
De águas mansas, serenas, cristalinas,
Visitado por aves que, em gorjeios,
Vêm beijar as flores mais pequeninas,
Um córrego onde posso, sem receios,
Banhar-me como todas as meninas…
Minh`alma, pouco dada a devaneios,
É nele que encontra aspirações divinas…
Passaram tantos rios e só naquele
Soube o que era sentir, à flor da pele,
A estranha glória de não ter idade
O rio passou e eu já passei com ele
Mas nunca o esquecerei porque foi nele
Que achei, purinha, a minha identidade...
Maria João Brito de Sousa – 05.08.2011 – 15.13h
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
QUE POSSO EU?
Que posso contra a força da consciência
Se ela me eleva a mão, me exalta a voz,
Se se me impõe além do que é prudência
E lança ao mar na casca de uma noz?
Eu nada posso, ó clara transparência,
E entrego-te este leme quando, a sós,
Confio – quem o sabe? – na clemência
Daqueles que chegarão depois de nós…
Se pedes muito mais que o evidente,
Se assim vais empurrando, sempre em frente,
A vaga das palavras que aqui escrevo,
Se, estando em mim, tu és de tanta gente…
Como posso negar-te o meu presente
Que lega no futuro o sal que eu devo?
Maria João Brito de Sousa – 03.08.2011 – 20.18h
terça-feira, 26 de julho de 2011
SOU DO MAR!
Sou do mar na estranhíssima alquimia
Que me transforma em fogo, pedra e gente…
Mas muito mais do mar que, à revelia,
Se me sucede a cada sol nascente
Da mesmíssima força em que ele nascia
Renasce, dia a dia, o meu presente,
E sinto exactamente o que ele sentia,
E sou exactamente o que ele consente…
Sou do mar no processo indecifrável
Que admite a simbiose entre o provável
E aquilo que ninguém pode provar
Mas, fruto desse jogo, eu sou palpável
E nessa mutação, nem sempre estável,
Eu sempre acreditei que sou do Mar!
Maria João Brito de Sousa – 26.07.2011 – 13.00h
segunda-feira, 25 de julho de 2011
MADRUGADAS E OUTROS RECOMEÇOS
Fica tão triste a cor das madrugadas
Em que o sol se esqueceu de vir brilhar
E as nuvens plúmbeas descem, desoladas,
Sobre os últimos raios de luar…
Mas, em compensação, outras, ousadas,
Rompendo o escuro manto irão mostrar
O azul do céu às vidas ensonadas
Que agora mesmo acabam de acordar…
Há sempre um cravo aberto na janela
De cada madrugada que não esqueço
Nas horas de um porvir que se aproxima
E, se alguém se esquecer de olhar pr`a ela,
Eu escrevo outro poema, eu recomeço
No primeiro amanhã que nasça em rima…
Maria João Brito de Sousa – 20.07.2011 – 17.34h
quinta-feira, 21 de julho de 2011
OS NÓS DE UMA MESMA CORDA
Ele há dias assim, contraditórios,
A que podemos lá dizer que não
E, mesmo com poemas meritórios,
Julgamos ter perdido inspiração…
Já lhes conheço bem os repertórios
Por isso vos proponho a condição
De só os mencionar se abonatórios
Dos dos dias dos poemas que virão;
Lembro-me bem de um dia, era eu menina,
- só o quero lembrar porque, em crescendo,
vi bem que não seria tão tremendo… -
Em que me vi herdeira de má sina…
[e porque, volta e meia, ele mo recorda,
tento atá-lo a dois nós da mesma corda…]
sexta-feira, 15 de julho de 2011
O SEM NOME
Um homem que tem nome e não tem nome
Numa terra qualquer, que não é sua,
Nuns dias a comer, noutros, com fome,
Esmolando o dia-a-dia em cada rua,
Numa busca incessante, que o consome,
Que o faz ser quem não é, que o desvirtua,
Que o leva a não saber que rumo tome
Na estrada que a miséria tornou crua…
Esse homem que partiu, talvez não volte…
Talvez essa miséria nunca o solte,
Talvez a fome o leve um destes dias,
Talvez seja mais um dos que, à partida,
Arriscaram – quem sabe? – a própria vida
Por causa do tal excesso em que vivias…
Maria João Brito de Sousa
quinta-feira, 7 de julho de 2011
REVISITAR ABRIL NO VERÃO GELADO DE 2011
Olha as ruas que o povo engalanou
Com cravos a nascerem das chaimites,
Olha as ruas que eu quero que visites
Nas imagens dos versos que te dou…
Olha as ruas e vê se já chegou
A hora libertária em que acredites,
Que não tenha lugar para os “palpites”
De quem as viu mas nunca acreditou…
Olha essas ruas cheias de vontade
De voltar a gritar que a liberdade
Está pronta pr`a tomar um novo rumo!
Olha os braços das ruas apontando
O caminho que o povo vai tomando…
E o medo há-de passar desfeito em fumo!
Maria João Brito de Sousa – 04.07.2011 – 21.04h
sexta-feira, 17 de junho de 2011
POR MAIS QUE...
Por mais que o sol se ponha, devagar,
Por mais que a estrela-d’alva me sorria,
Por mais que a lua venha iluminar
Aquilo que sobrou de mais um dia,
Por mais noite que sobre e o inundar
Da conturbada luz que me alumia
Me inspire ou mesmo tente interpelar…
Por mais que isso aconteça, eu quereria
A mesma rapidez do dedilhar
Que a mão, descontrolada, me assumia
E aquele embriagante não parar,
Para nem duvidar do que sentia,
Na galvânica pressa de acabar
O que nem começado `inda estaria…
Maria João Brito de Sousa – 16.06.2011 – 20.04h
quarta-feira, 8 de junho de 2011
DAS TOURADAS E DAS GRANDES CONVICÇÕES - Carta aberta ao meu avô Poeta
… e depois, António,
eles benzer-se-ão e partirão gloriosos
para a mortandade
sem que os tenhamos podido desculpar
e agradecerão as palmas
com a consciência do ritual cumprido
e haverá crianças
- crianças como eu era quando,
ao vê-los, fugia do ecrã da televisão… -,
haverá crianças, António,
que também baterão palmas
e que crescerão embaladas
pela apoteótica matança,
abençoadas pelo deus a que eles se confiaram
e em que eu nunca acreditarei
porque, perdoa-me, António,
eu não posso, nem quero, acreditar
nesse mesmíssimo deus cruel e estúpido,
se ele for tão estúpido e tão cruel
que abençoe a ritualização da tortura…
Ou fomos nós que
sempre estivemos enganados?
Ou fomos nós que
errámos quando condenámos a raiz comum
de todas as descriminações
e de todas as atrocidades?
Ou éramos só nós que víamos,
nos olhos do touro,
a mesma inocência dos dos cristãos novos, no Paço,
dos dos negros, nos porões das naus,
dos dos judeus, em Auschwitz,
dos dos nossos amigos, nas masmorras da Pide?
Todos diferentes, todos animais,
António…
E eu, António,
eu que, hoje, como há cinquenta anos,
os sinto, os entendo
e, do mais fundo de mim,
os tento perdoar,
não consigo deixar de condenar
essa crua faceta de tantos
tantos dos que,
caminhando sobre duas patas,
acreditam que a dor é monopólio seu
e que a racionalidade
lhes confere o direito de SERem os únicos.
TODOS DIFERENTES, TODOS ANIMAIS!
Ao meu avô, António de Sousa, Poeta, tradutor, advogado, crítico literário e um daqueles seres vivos que sempre acreditaram na sensibilidade de todos os outros.
Maria João Brito de Sousa - 07-06-2011-11:41h
[against all odds, com honras de blog principal]
Ps – Perdoa-me se te arrasto o nome para o campo de uma batalha que prevejo desproporcional, dura e infindável. Por esta altura, tu, lá na tua Ilha de Sam Nunca e eu, ainda por cá, fisicamente desgastada, pouco mais poderemos emprestar para além disto; nome e versos… mas não fomos nós quem sempre acreditou na força das convicções e das palavras que as levam mundo afora?
quarta-feira, 1 de junho de 2011
NO DIA DA CRIANÇA - 01.06.2011
No dia da criança,
venho dizer-te bom-dia, mãe,
e olhar o teu sorriso
na memória das sardinheiras quase murchas,
mas ainda vermelhas, mãe,
nas conchas de barro onde as plantavas
Venho,
neste dia da criança,
lembrar-te, mais uma vez,
que te amo, mãe,
e agora,
que não sei se és, nem onde és,
confessar-te que sempre considerei
que olhavas demasiado a superfície das coisas,
que te esquecias de reparar
nas raizes do tempo por detrás das janelas
e nos sonhos
para além da luta pelo abraço imediato
Mas isso era eu, mãe,
eu tão pequenina como as sardinheiras,
tão abraçada às raizes do tempo,
tão estranhamente além das janelas,
esquecida,
também eu,
de não poder julgar-te
porque eras tu, afinal,
quem plantava as sardinheiras e sorria
sem suspeitar, sequer, de que viriam a murchar…
Hoje, dia da criança,
dia em que não sei se és, nem onde és,
mas não esqueço que foste,
uma lágrima, mãe,
só uma, como tu,
que tanto medo tinhas da morte
e te deixaste levar
sem teres percebido
que as sardinheiras murcham
a seguir ao abraço das raizes do tempo…
dessas que estavam por detrás das janelas
além da superfície
das coisas- tantas! –
que nunca chegaste a descobrir
E fica-me
o teu sorriso
por detrás da janela,
vermelho como as sardinheiras,
enquanto nesta lágrima,
tão única como tu,
tão eterna quanto o tempo,
hoje, como dantes, Mãe,
tento esquecer a superfície das coisas…
Maria João Brito de Sousa – 01.06.2011 – 09.29h
terça-feira, 31 de maio de 2011
QUE PENA! - Poema anti-poético, para quando for preciso rosnar...
Que pena!
Tenho tanta pena de ter pena
dos olhos de luar que não tiveste,
da refeição frugal que não fizemos
no tal dia em que não nos encontrámos…
Dessas mãos de sal que te não vi,
sublimando a saudade em gestação,
subiria – talvez…- o aceno prometido
... ou nem sequer esboçado, à luz de tão tardio.
Nos teus lábios que nunca experimentei
- porque não eram lábios
os riscos trémulos e desbotados
que jamais desenhámos
sobre a suspeição do beijo…-
um sorriso clonado
de todos os esgares que lhe foram anteriores
Que pena das horas que não passámos juntos
nessas manhãs…
essas que nos encerram
na urgência banal e rotineira
- tão desmesuradamente banal e rotineira! -
do desejo insuspeitável
que adivinho
no refrão de cada cantilena…
e das tardes,
quem sabe?
atarefadas, burguesas,
passeando entre o plano do fogão de quatro bicos
e a perpendicular do mar…
- desse mar que só pode ser olhado por um,
de cada vez… -
aborrecendo o momento seguinte,
barulhentas, conflituosas e – porque não?
tão iguais às que são “só dos outros”…
Mas pena,
pena a sério,
pena crua e inenarrável,
daquela que magoa,
rasga por dentro e deixa cicatriz…
Pena teria eu de não ser quem eu sou!
Maria João Brito de Sousa – 28.05.2011 -14.47h
quarta-feira, 25 de maio de 2011
MEU RIO... MEU IMENSO, INSUSTENTÁVEL RIO
Minha canção das margens inconstantes
Rasgando a pradaria dos sentidos,
Meu rio de águas revoltas, mas brilhantes,
A começar do nada, em tempos idos
Minha ribeira brava dos instantes
Que acrescentaste aos dias já vividos,
Das lonjuras, dos sonhos mais distantes
Que, à partida, me foram prometidos
Meu leito, derramando em terra ardente
O abraço da vontade que não morre
Do riso que descrê, mas não desiste,
Meu líquido poema omnipresente
Nas águas de um futuro que dele escorre
E à qual, embora querendo, não resiste…
Maria João Brito de Sousa – 24.05.2011 – 15.17h
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
segunda-feira, 16 de maio de 2011
MARIA
sexta-feira, 29 de abril de 2011
PERFIL DE MULHER
Percorro o mesmo caminho
Que um outro humano qualquer
[meu céu tem forma de ninho
como um ventre de mulher…]
Quando o dia se aproxima
Ergo, à luz do que farei,
Um templo à estranha menina
Que fui, que sempre serei…
Canto as horas e os minutos
Em palavras que improviso
Como se fossem os frutos
Com que alimento o meu riso,
Salto na corda dos dias
E, ao saltar, fico parada
Rememorando arrelias
De quem nunca arriscou nada
Nuns dias, de barro humano,
Noutros, feita de papel,
Fiz nascer asas de pano
No dorso do meu corcel
Quis então soltá-lo ao vento
Mas ele nem tentou partir…
Deu-me em troca algum talento
Que ninguém queria assumir…
Mais tarde, quando ele morreu,
Peguei nas asas, voei,
Fui levar quanto era seu
Ao céu que eu nunca encontrei
Procurei com mais jeitinho
E acabei por perceber
Que o céu cabia, inteirinho,
Neste perfil de mulher…
Maria João Brito de Sousa – 27.04.2011 – 18.21h
quinta-feira, 7 de abril de 2011
EXACTAMENTE COMO AS AVES...
Só aves, saltitando nas ramadas
Dos arbustos, em torno das palmeiras,
Me falarão das coisas derradeiras
Por dentro das palavras desgastadas
Só essas escutarei quando, escusadas,
Me impuserem palavras altaneiras,
Que eu tentarei esquecer-me das canseiras
Das horas que nem foram convidadas…
E agora, que reparo no que digo,
À hora em que os pardais se vão deitar
E o céu se vai vestindo de outra cor,
Cada rima, a voar, vem ter comigo,
Já preparada para pernoitar,
Como faz qualquer pisco ou beija-flor…
Maria João Brito de Sousa
quarta-feira, 6 de abril de 2011
MUSA
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Ó Musa de luar e de alfazema,
De sândalo, nos dias de chorar,
De sol, nas minhas veias de poema
E em cada novo verso que eu criar
Cada ave que lá vem, em cada pena,
Traz as velhas canções de me embalar
E a tarde, mesmo agreste, emerge amena
Das mil penas dos versos que eu cantar
Criar por te sentir aqui, tão perto,
Por dentro de quem sou, ter descoberto,
Contigo, o meu sentido para a vida,
É, abraçando um novo rumo incerto,
Criar raiz no tempo em que desperto
E renovar-me, embora desmentida
Maria João Brito de Sousa – 03.04.2011 – 12.20
Ó Musa de luar e de alfazema,
De sândalo, nos dias de chorar,
De sol, nas minhas veias de poema
E em cada novo verso que eu criar
Cada ave que lá vem, em cada pena,
Traz as velhas canções de me embalar
E a tarde, mesmo agreste, emerge amena
Das mil penas dos versos que eu cantar
Criar por te sentir aqui, tão perto,
Por dentro de quem sou, ter descoberto,
Contigo, o meu sentido para a vida,
É, abraçando um novo rumo incerto,
Criar raiz no tempo em que desperto
E renovar-me, embora desmentida
Maria João Brito de Sousa – 03.04.2011 – 12.20
sexta-feira, 4 de março de 2011
ISTO QUE SOMOS...
O Tempo passa como nós passamos
Pelos dedos das noites e dos dias
Enquanto, vivos, nos perpetuamos
Entre mágoas, tédios e alegrias
Do tempo que passou, todos guardamos
Memórias de prazeres e de arrelias
E é sempre uma memória que evocamos
Se as horas se nos tornam mais tardias
Contudo, tudo aquilo que fizemos
Ao longo destes passos que aqui demos,
Gravou na Terra um rasto do que fomos
E alguns foram os frutos que colhemos
Nesse pomar dos anos que vivemos
Pr`a te legar, ó Mundo, isto que somos!
Maria João Brito de Sousa – 03.03.2011 – 23.59h
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
GUARDAR AS LUAS
Todos os dias
as mãos se lhe enchiam
de luas e pães
comprados no café da esquina...
Eles, os pães,
porque as luas lhe nasciam
das asas dos pássaros
quando se demoravam
sobre as reflexões
e dos olhos
dos que se cansavam
de entender
Eram luas e pães multiplicados
pela soma das ausências,
mas eram
e ninguém negaria
a solidez da sua inexistência...
Maria João Brito de Sousa - 07.01.2011 - 16.25h
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
SONETO QUE SE PREZE...
Soneto que se preze deve ter
As dez - ou doze - sílabas marcadas
Por tónicas bem fortes, rodeadas
Por átonas que mal se devem ler.
Assim é o soneto e se eu quiser
Simplificá-lo mais, fazendo quadras,
É só cortar as sílabas citadas
Até que fiquem sete pr`a escrever…
Terá, então, nascido um “sonetilho”
Todo embebido em musicalidade,
Gracioso como todos eles o são,
Do clássico soneto, único filho
E herdeiro dessa mesma qualidade
De soar tal e qual como canção…
Maria João Brito de Sousa – 01.01.2011 -12.56h
SONETO – Composição poética de catorze versos, dispostos em dois quartetos e dois tercetos…//…
Enc. Liter. – O soneto é de origem muito incerta. Uns atribuem a sua invenção aos trovadores provençais, outros a Petrarca, o qual foi, pelo menos, seu vulgarizador na Itália.
Cultivado com entusiasmo pelos poetas do Renascimento, a sua estrutura foi inserida em Portugal por Sá de Miranda. No séc. XVI, além deste poeta, trabalharam o soneto, Camões, que os fez avultar na sua obra lírica, o Dr. António Ferreira e Frei Agostinho da Cruz; no séc. XVII, Francisco Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Melo.
No séc XVIII, sobressaiu Bocage nesse género poético; os seus sonetos, perfeitos na técnica e na forma, rivalizam com os melhores de Camões.
Alguns poetas da nossa antiga colónia do Brasil, também brilharam no soneto durante essa época, merecendo menção especial Cláudio Manuel da Costa, que pertenceu à famosa Escola Mineira.
No séc, XIX, o maior sonetista, pela perfeição da forma e pela “elevação”, foi Antero de Quental, mas cultivaram esse género com êxito, João de Deus, Gonçalves Crespo, António Nobre, António Feijó, João Penha, Duarte de Almeida, Guerra Junqueiro, Eugénio de Castro, António Sardinha, Júlio Dantas, etc. e, no Brasil, Raimundo Correia, Olavo Bilac, etc.
O soneto regular é formado por quatro estâncias;
Duas quadras e dois tercetos. Os oito versos das quadras devem obedecer a duas rimas, mas tanto pode rimar o primeiro verso com o quarto e o segundo com o terceiro, como pode rimar o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto.
Os dois primeiros versos de cada terceto, rimam entre si e o último com o verso final, mas admitem-se outras variáveis desde que mantida uma unidade melódica.(1)
Uma regra, talvez excessiva, estabelece que cada quadra e cada terceto devem ter um sentido completo. A maior parte dos poetas, porém, ligam as quadras e os tercetos um período harmonioso e separam apenas a passagem de uma estância a outra por uma ligeira pausa.
O último verso deve exprimir um pensamento nobre,
delicado ou engenhoso que encante o espírito ou leve o leitor à reflexão.(2)
É costume caracterizar assim um bom soneto;
Deve abrir com Chave de Prata e fechar com Chave de Ouro.
Os sonetos escrevem-se em versos Decassílabos mas modernamente, já se encontram muitos em verso Alexandrino – doze sílabas métricas (3)
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO LELLO UNIVERSAL
1, 2, 3 – Notas pessoais acrescentadas à transcrição
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